Casa Verde – Janeiro/2017

      Todo bairro tem seus personagens característicos, reais ou ficcionais.  A Casa Verde acaba de perder os dois, que eram praticamente um só:  foi-se Toninho Mendes, escritor, editor e criador do observador ácido da realidade local e nacional, o Visconde da Casa Verde.  Ao lado do cartunista Angeli, Toninho Mendes espalhou por São Paulo e pelo Brasil um jeito casaverdense de fazer humor, jeito de periferia logo ali do outro lado da ponte.

 

 Glauco, Angeli e Toninho Mendes: humor a milhão. (foto: Leonardo Crescenti)Glauco, Angeli e Toninho Mendes: humor a milhão. (foto: Leonardo Crescenti)

 

QUADRINHOS – Nascido em Itapeva, interior do estado, Toninho Mendes veio para a Casa Verde ainda criança. Trabalhando numa banca de jornais da rua Jaguaretê conheceu Angeli, e o resto faz parte da história dos quadrinhos brasileiros: ao lançar a editora Circo Editorial, Mendes rompeu com o tradicionalismo dos quadrinhos, que era visto como suporte para estórias infantis.   Publicações como Chiclete com Banana e Piratas do Tietê projetaram nacionalmente artistas como Glauco, Laerte, Luiz Gê e o próprio Angeli.   O quadrinho passava a ser reconhecido como arte voltada para o público adulto.

 

RIO TIETÊ –  Em entrevista para o livro São Paulo Tem a Casa Verde, Mendes relatou como brincava nas lagoas às margens do rio Tietê, nos anos 1960.  Ele morava na rua João Rudge, era só descer a ladeira e estava na beira do rio.  Em 1992 Mendes publicou o Poemarevista A Confissão para o Tiete, um longo poema elegia de principal rio paulista.  Na introdução ele põe: Você, Tietê, é como Cristo, criança transparente espelhando o céu e o infinito ao deslizar em delicados filetes de água sobre pedra em Salesópolis & de filete em filete faz teu leito & começas a correr ao contrário do sentido do mar e da vida a penetrar na terra dos homens.

 

Poemarevista “A Confissão para o Tietê”.Poemarevista “A Confissão para o Tietê”. Livro do Visconde da Casa Verde.Livro do Visconde da Casa Verde.

 

VISCONDE – A criação do Visconde da Casa Verde mostra como Toninho Mendes reconhecia a presença da Casa Verde na base de sua criação. Em 1994 o editor lança, do Visconde da Casa Verde, o livro 365 Motivos para Odiar o Brasil, verdadeira enciclopédia humorística abordando 365 lances brasileiros sob um olhar crítico e debochado, como só o Visconde poderia ter.   Na verdade o livro nasceu das rodadas de conversa entre Toninho Mendes e os poetas Furio Lonza e Glauco Mattoso, e o Visconde da Casa Verde sentado ali ao lado, não deixou escapar as observações e fez publicar como suas. Muito esperto o Visconde da Casa Verde.  (Nas Minudências abaixo um aperitivo com oito das 365 tiradas do nobre casaverdense).

 

LEGADO –  Toninho Mendes faleceu a 18 de Janeiro, aos 62 anos, de infarto (AQUI).  Que a sua vida e obra, além da importância para a história dos quadrinhos no Brasil, seja lembrada também por valorizar as coisas nativas da Casa Verde, um legado da influência casaverdense, colocando-se ao lado de Adoniran Barbosa ao compor “Morro da Casa Verde”, ou de Aureliano Leite, que em 1939 publicou o livro “História da Casa Verde”, precursor das publicações sobre bairros paulistanos.

 

Minudências:
@ Abaixo algumas das pérolas do Visconde da Casa Verde, em seu livro “365 Motivos para Odiar o Brasil”:
@ A Casa Verde: Nos States a Casa Branca é o centro do poder.  Na Argentina é a Casa Rosada. Já no Brasil, Casa Verde é o centro nacional da galhofa, porque foi lá que o Visconde ganhou o seu título de nobreza.
@ O Pico do Jaraguá: Famosíssimo em todo mundo como “o ponto culminante da cidade que mais cresce no mundo”. Só que nunca ninguém viu sequer um cartão-postal desse lugar, e nunca ninguém foi passear ali, a não ser um ou outro escoteiro, que acaba se perdendo.  E só quando isso acontece é que se ouve falar no tal pico.
@ O Niemeyer: Um cara totalmente contraditório.  Como que um comunista projeto uma cidade sem esquinas?  Só mesmo aqui um arquiteto de esquerda construiria uma capital para os capitalistas e os militares reinarem por tanto tempo.
@ O Rio Tietê: O seu cheiro, quando passa por São Paulo, dispensa qualquer comentário.
@ O Ayrton Senna:  De nada adiantou passar a vida correndo 300 km por hora.  No Brasil não foi perdoado: depois de morto teve o enterro mais lento do mundo. Sua alma chegou ao céu sete dias antes do corpo.
@ A esquina da Ipiranga com a São João: Só mesmo no coração do Caetano é que poderia acontecer alguma coisa, ao cruzar a Ipiranga com a São João.
@ O Viaduto do Chá: Mais uma dessas besteiras geográfica.  O maior símbolo da capital do café é um viaduto do chá.
A Bunda: os brasileiros têm por ela a mesma fixação que os norteamericanos têm pelas tetas. Ou seja, ele preferem a parte de cima e da frente. Nós, a de trás e de baixo.  Bem brasileiro. 
@ Na orelha do livro o seguinte relato: Seu título de nobreza foi adquirido por ter ele transado, de uma só vez, com as três meninas que deram origem histórica ao nome do bairro da Casa Verde, em São Paulo, o que na época foi um milagre. Agora, o verdadeiro milagre é que as três casaram virgens.

 

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